Uma plateia vazia, um palco, uma cadeira, uma mesa e uma luz. No vídeo “Exumação. Em conversa” (2017), há apenas o essencial. A artista, Belinda Kazeem – Kaminski, entra, sem barulho, sem palmas, sem fazer alarde para, nos colocar frente a frente a uma conversa em andamento, cheia de questionamentos e angústias, sobre o colonialismo, a representação do negro e a escravidão; ontem, hoje e amanhã.
O vídeo interroga: como pensar a negritude quando o colonialismo raramente é discutido e a história negra é mantida fora dos livros escolares? Onde os negros são, como diz Araba-Evelyn Johnston-Arthur, “presos em um estado de extrema visibilidade e extrema invisibilidade”. Quais formas de expressão artística são capazes de captar o sofrimento e a violência contra os negros sem reproduzi-los?
A artista toma como ponto de partida a pesquisa que Paul Schebesta, missionário e etnólogo austro-tcheco (1887-1967), realizou no antigo Congo Belga (atual República Democrática do Congo) no início do século XX. À partir dessas imagens, a artista performa um diálogo com as pessoas fotografadas sobre as implicações do colonialismo. E reflete sobre os próprios limites artísticos ao desenvolver uma representação ela mesmo.
A artista pensa profundamente sobre as representações e seus significados, partindo da história da Áustria, seu país de origem, e pensando os tantos países colonizadores e colonizados. O racismo estrutural impregnado na política, nas mídias, na migração, educação, linguagem, não é um fenômeno novo. Está relacionado com estereótipos e representações racistas do nosso passado colonial e escravocrata. A diáspora negra, espalhada pelo mundo, é vista aqui como interlocutora e parte desse diálogo.
Aqui entra o cuidado, termo central no trabalho de Belinda: cuidado com as pessoas fotografadas, e com parte do público que compartilha da mesma experiência. Cuidado com o tema e com as imagens usadas, recusando sempre o olhar exótico e a vitimização, tão presente, dos corpos negros. Cuidado com as estratégias usadas para não reproduzir as violências mas sustentando uma representação em oposição.
“Essa foi a minha maneira de cuidar e permanecer alerta, resistindo ao impulso de consolar e de fornecer um encerramento onde não há nenhum. Isso implica em reconhecer que não é possível uma reconciliação fácil apenas preenchendo os vazios. Uma dolorosa revelação de que, embora eu queira fazer algo, nunca poderei corrigir os erros. Meu trabalho é fundamentalmente sobre fragmentação e incoerência. Com o objetivo de visualizar gramáticas específicas e apontando para os vazios nos arquivos e na narrativa oficial, o vídeo é uma lembrança crítica na qual memórias passadas são resgatadas para se tornarem relevantes para futuras transformações sociais e culturais. Em uma época em que os fantasmas do passado parecem estar a espreita, temos que nos perguntar como podemos ver a negritude de outra forma, como podemos compartilhar, comungar e ser apesar de tudo.”
Belinda Kazeem – Kaminski e ioana mello