Um homem sentado em um banco segura uma fotografia em preto e branco emoldurada, exibindo-a. Ele encara a câmera e sorri num gesto que demonstra cumplicidade. Atrás deste homem, vemos o retrato do rosto de uma mulher com uma expressão séria. Ela também encara a câmera fotográfica. O retrato desta mulher em preto e branco está impresso em um voal pendurado entre o homem e uma árvore. O rosto no voal carrega para narrativa a transparência necessária aos atravessamentos do tempo e da tecnologia. Esta mulher e este homem se parecem. Vemos nos traços de um as marcas da continuidade do outro. Começamos a enxergar nas semelhanças as vigas das pontes que atravessam os abismos do tempo. Terra batida, árvores, casas simples de diferentes cores, três crianças que observam o registro acontecer. A foto emoldurada, o homem, a mulher, Aline. Reencontros possíveis reunidos através da fotografia-ponte.
A sequência de cinco fotos apresentadas nessa exposição representam um projeto maior de imersão profunda da artista niteroiense Aline Motta na sua memória e de sua família. Através dela temos a oportunidade de ser colocados frente a frente com as consequências do processo escravocrata do Brasil para a população afro-brasileira e africana. A antiga política do separar para destruir. Do invisibilizar para esquecer. Ao mesmo tempo, podemos observar a habilidade da artista em reconstituir seu passado unindo-o ao presente através da poesia, da arte-ponte.
Se de acordo com o ditado, exaltado pelo povo de santo, que diz que Exu matou um pássaro ontem com uma pedra que só jogou hoje, é possível dizer que com este trabalho, Pontes sobre Abismos, Aline também acertou ontem o que mirou hoje.
A foto saiu em cor.
Marina S. Alves